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O que significa sair de casa para ver um filme sozinha?



A excitação em buscar pelas fileiras o lugar marcado só não é maior que o alívio ao sentar na poltrona. Uma espécie de atenuação de tudo: dos ruídos da cidade, do fluxo de sensações que pensamentos irrefreáveis me causam, do mundo que me é alheio e indiferente. Como uma prazerosa suspensão temporal, duas horas equivalem a quilômetros de distância de qualquer esquina da minha vida.


Acredito que o cinema venha assumindo esse papel desde a adolescência — ou de quando estabeleci um hábito que ainda me é extremamente caro e valoroso: sair de casa para ver um filme sozinha.


Pode parecer um tanto quanto sorumbática a experiência, mas, para mim, é como que um ritual. É na sala de cinema que me permito transparecer, esconder, dissimular e compartilhar. Quando me sinto angustiada, ansiosa, melancólica ou se carrego uma felicidade sem fim, se me apaixono, se me inteiro: é no escuro, assistindo à vida dos outros, me jogando em outras histórias e temporalidades, que me realizo. E me safo.


Aliviar-se, penso aqui, deveria ser mania. Descobrir o que tem a capacidade de lhe preencher e esvaziar — processo duplo e conjunto — é saída de emergência e abraço. E pode ser vício a sobreposição de alívios. No ano passado, decidi que precisava fazer um outro furo na orelha (essa dos furos e orelhas já notei que devo ter certa prudência). Com o entusiasmo concentrado numa vermelhidão auricular, dividi com amigos que não queria ir ao compromisso que havia àquela noite, que estava tão contente que só poderia ir ao cinema.


Não há lugar de melhor acolhida. O olhar unidirecional e a trégua na vida que acontece fora de mim — em mim. Minha declaração de amor, assim, não poderia ser mais torta e embaraçada.


Todos os meus melhores e piores momentos combinam com a projeção de um filme. Da total comunhão, percebo que não importa o quanto que me ocupe da vida, o quanto que me ausente, me distraia, me enleve ou me desmorone, sempre há o instante em que denuncio: preciso ir ao cinema.


Pauso e recomeço.


| texto publicado em: Coletivo We Love, setembro de 2017



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